sábado, 16 de outubro de 2010

Esqueci-me

Não são dúvidas que me chamam aqui agora. Pelo menos não minhas, esqueci-as por um instante, esqueci para lembrar. Esperas que a noite seja dela, esperas que toda esta ilusão seja morte anunciada? Este espaço é teu hoje, decididamente teu. Finalmente teu, após todo o medo a noite que sonhou com o teu olhar partiu. No sangue vejo que nada me resta. No sangue que é meu vejo finalmente que não quero correr mais, sei que não quero negar-te agora. E lamento ter a cobardia de te enviar o espelho, e não eu. Sonho poder sentir que quiseste ver para além disso, saber que não fui desejo efémero crava a solidão na minha mão. Ainda lembras este desejo? De que quero deitar a minha mão na tua? Pouco me importa a fraqueza, pouco me importa a repetição.
Assombrei-te na escuridão. A viagem não foi longa afinal, este fado ainda consegue ver-me no horizonte. E se gritei por perdição, porque o afasto agora? Pudesse o tempo morar neste lado do fim e não seria eu o chão perpétuo desta eventualidade. E estás aqui a guardar-me o céu, e estás aqui neste vazio. Consegue o engano sussurrar-te que o acaso não conspirou a sua chegada? Agora que lês estas palavras, toca-te o sentido? Ou é destino que te embala a consciência? O Outono não tardará esta verdade, mas na espera desespero o teu aconchego. Por isso te digo, sem beleza fugaz, que não foi acaso algum que conspirou o engano. Desespera, foi a fraqueza que largaste em mim que te trouxe à memória. A quietude deste quadro não me fará vacilar. Pouco me importa a existência, pouco me importa a dormência. É vida afinal. É isto vida?
Não me assusta o medo que tens nessa praia. Não, não é amor que te obrigo a sentir. Não, não te obrigo a viveres-me. Não há negação que vença este sentir, e ainda que o fumo te ofereça ingénua segurança, não o quero entre nós. Estou aqui, mas não sou aqui. Não temas meu anjo, voarei depressa e em breve serei lembrança. Todo este fogo conhece a morte, e nunca ela perdoou alguém. Estarei longe em breve, poderás ver-me deitar para morrer. Não será essa a verdade, mas será a tua verdade. A ilusão ainda te domina, felizmente nunca serei certeza em ti.
Perdoa-me a chegada, não era em sonhos que queria perder-me. É em ti.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Não sonharás mais

E esta raiva, a quem cabe desesperar no seu encanto? Se tanto sonhei que podias prender-me nessa distância não deve ser encanto algum que te sussurra a morte tão vulgar. Que é minha agora, finalmente minha. Não esperarei que me vejas agora, bem sei que todo o sonho me fez mergulhar na incerteza de um fim repleto de concretização. Mas esta raiva não deixa nem essa ilusão voar na sua gaiola. É o ferro frio que transformo no seu destino, é o sofrimento de uma liberdade adiada que a ela dedico. E a vergonha tarda, talvez para sempre.
Assusta-te a minha redenção? Poder finalmente encontrar-me na plena perdição é tudo agora. É tudo, e o erro que se repete infinitamente não me nega agora. As asas desta maldição batem tão livres agora... O mundo morrerá ao olhar este vermelho, finalmente o destino aos destinados, finalmente a verdade aos crentes de uma ilusão. Sim, podia deixar-vos caminhar mais um pouco, mas tudo isso me aborrece! Chega de passos vazios, chega de caminhos perdidos e de estradas sem fim. Agora, e para sempre, serão tudo o que vos cabe ser.
Tudo está coberto por dentro. Tudo está coberto por mim, apenas o nada poderá beijar este abismo. Se nada fores, tudo o que guardo dentro será teu. Tudo será teu, chegará a ti este destino? Ou é na possibilidade que te perdes, será a sede que te leva o aconchego? É a água que me sussurra a verdade, não passarás esta ponte. Tanto pior meu amor, tanto pior...
Deus, ainda te restam forças para carregar a minha chegada? Nasci de novo, e ainda que o sofrimento da velhice não seja meu desejo, receio ser esse o preço desta nova existência. Treme ancião, treme porque eu cheguei finalmente. E não caberá em lado algum esse arrependimento de me teres criado. Tudo é culpa tua, eu sou culpa tua. Até breve guardião dos céus...

domingo, 10 de outubro de 2010

Nós

Como foi que deixámos o olhar ser mundo tão depressa? Não sonhámos nós que a distância permaneceria imóvel apesar da vontade? Mas se aqui estamos vivemos o que não se vive. Fomos o que nunca foi, e assim continuaremos na preguiça daquele mar que não cantava. Não foi um sonho, e ainda bem. Ainda bem.
Vês agora as correntes que me prendiam antes de brilhares? Sei que não soube dar-me, mas saberás tu que ao falhar pude cair, tão livremente, tão lentamente? E contigo, o que ficou? Eu não, certamente. Eu não, felizmente. Não mergulhes nessa dor, não é o espaço entre nós que me faz sorrir. É antes o tempo entre o que era e o que pude ser para ti, contigo. Pude ser o que sonhaste em mim, ali pude ser tudo. Fui teu, fui a tela onde desenhaste o desejo. E esqueci-me, esqueci-me por ti. E ali, quem estava?
Não serei capaz de decidir se foi caminhando que senti este não sentir, ou se foi antes por não ter de continuar que te guardei tanto. Mas ainda que tenhamos caminhado juntos, o caminho foi nosso e nunca tinha sonhado aquele chão. Sentes como tudo foi a vida para mim, sentes como nada me podia puxar para outro viver?
Houve um momento, um momento infinito em que pude sentir-me nos teus braços. Não tive de segurar-me, não tive de sofrer o vento sozinho. Foste tu que o fizeste por mim, e a ternura que pensei ver em ti nunca tinha sido minha. Consegues sentir o que isso significa? Sem saber o que esperar encontrei-te e fui perdendo a melancolia, fui perdendo o ser ao estar contigo. Ao estarmos os dois soube que a solidão não tem de ser crónica. Mas ainda é.
Foste mais que o desejo, foste mais que a vontade. Em mim foste também a distância, para mim foste também o silêncio onde me consegui ouvir e sonhar. Não estou aí, não posso estar aí. Mas saber que a entrega ficou, saber que o que criaste ficou, não é suficiente? Podemos saber que não sonhámos o mesmo espaço, mas que na distância subimos lado a lado, sorrindo? A memória é tua, a perdição é minha e a verdade nada consegue ver, nada consegue tocar.
Não quero saber o que és, quero poder lembrar o que foste em mim. Não quero que saibas o que sou, espero poder ser o que viste nos meus olhos. Não é a beleza de uma fantasia mais eterna que uma qualquer certeza?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eternos, talvez...

Que desilusão nasceu em mim... Tão grande é o desejo que morreu que todas estas dunas perguntam porque vivem. E afinal, porque vivem? E no fim, porque vives se não tens a força de me deitar na areia? Apenas a voz, e de vozes está a minha mente cheia. Tão cheia meu sonho, tão farta e saturada. Deus, como preciso que essa voz morra, como preciso estar em silêncio connosco, ou sentir que caminhas para sempre. Vai, morre para sempre. Ainda sonhas que te sonho? Não meu anjo, esse chão beijou-me permanentemente. E para sempre. E para sempre Destino, talvez para sempre. Talvez...
E agora, porquê? Este silêncio ainda me engana, este silêncio ainda duvida de tudo o que tentei criar. Mas sei agora que pensar apenas me move. E não pudeste tu ver que ser perpétuo é tudo o que me resta? E agora, para onde vamos? Nunca por aí, nenhum caminho me merece. Vai, morre para sempre. Ainda sonho que me sonhas? Sim. Sim meu amor, posso eu cantar como quem grita, posso eu sonhar como quem vive? Poderei eu viver, poderei eu sonhar? Ainda? Ou será esta finitude premonição de uma certeza? Talvez para sempre. Tavez...