sábado, 23 de junho de 2007

Ternura

Nesta noite escura e vazia, cansei-me... Cansei-me de estar escondido, cansei-me de ser alguém que nao sou... Nesta noite, pela primeira vez em muitas noites, nao vou conspirar com a tristeza, nao vou partilhar segredos com a melancolia, e nao vou adormecer nos braços do desespero... Hoje peço-te, por favor, ama-me, cuida de mim...
Encontro-me contigo, nesta noite, num lugar mágico, lugar perdido neste mundo distorcido, lugar que deixei quando perdi a inocencia de ser criança. No meio das sombras, no meio da noite, escondida atrás das árvores, vejo-te a ti ternura, vestida de branco... Como és bela, como és pura e eterna... Há muito fugi de ti, há muito abandonei a frescura da tua presença para criar e mergulhar neste Inferno ardente, que me sufoca e me atormenta... Mas hoje cansei-me, hoje fartei-me de ser quem nunca fui... E assim, cansado e esgotado, ferido e magoado, regresso aqui, regresso a ti, e arrependo-me de alguma vez te ter deixado, de te ter rejeitado, de te ter magoado...
Mas tenho medo que nao me aceites, que nao me queiras contigo mais uma vez... E fico parado, no meio da noite, no meio das árvores, a olhar para ti, a tentar perceber se te perdi para sempre, se a ferida que em ti deixei foi profunda de mais... E vejo mais uma vez a tua beleza... Os teus olhos azuis, mais azuis que o céu, mais profundos que o mar, os teus olhos ternos, carinhosos, evanescentes como a própria eternidade... O teu cabelo branco, brilhante, liso, sedoso, reflexo da verdadeira juventude, da inocencia mais pura e mais sincera... Mas nao vejo nenhuma expressao da tua alma, nao sinto a tua presença como antes... E sinto que te perdi para sempre... Mas quando eu penso em desistir, quando começo a conformar-me com o Inferno que criei, tu sorris... Tu sorris e dás-me a certeza de que nao te perdi... Meu deus, que sorriso... Num segundo, num momento, tudo me deixa, o meu coraçao parte as suas proprias correntes e finalmente todo o Inferno foge, e finalmente consigo ser sincero... As Lágrimas enchem-me os olhos, mas pela primeira vez nao choro pela tristeza... Corro em direcçao a ti, e tu recebes-me de braços abertos, para me confortares, para escutares a minha alma, o choro no meu coraçao...
Abraça-me, ama-me, toma conta de mim esta noite, deixa-me ser teu filho uma vez mais, deixa-me soltar todos os Demónios, por favor... Porque eu já nao aguento... eu já nao consigo suportar mais este fardo... nao consigo viver neste Inferno, nao consigo... Quero ser criança novamente, quero contar-te todo o Mal que tenho visto, que tenho feito a mim...
E tu deitas a minha cabeça no teu colo, e deixas-me chorar, deixas-me lamentar por tudo, por nada... E no silencio da noite escutaso meu coraçao, sentes em ti a minha dor, e como dantes, passas a mao no meu cabelo e fazes-me sentir sincero, fazes-me sentir inocente outra vez...
E assim adormeço no teu colo, a chorar e a soluçar depois de ter fugido de casa, depois de ter abandonado quem sempre amei e quem sempre me amou...