domingo, 8 de julho de 2007

O Fim...

Será que me amas agora? Agora que eu voltei, agora que finalmente deixei de lutar, agora que as armas se enferrujaram, agora que tudo acabou, agora que o Sol se pôs, agora que as estrelas me fazem chorar? Será que me amas agora, agora que a Lua me olha com desprezo, agora que já não tenho forcas para bater as asas e voar com a solidão, agora que finalmente tudo o que eu e ela criámos morreu, agora que a chuva já não me conforta, agora que o momento se apoderou de mim, agora que já nao tenho vontade de negar seja o que for, agora que o Sonho foi finalmente destruído, pra sempre, será que me amas? Porque eu finalmente tirei a máscara, porque finalmente consegui tirar esta roupa, e pela primeira vez encontro-me nu, contigo, cara a cara, mostrando-te o meu corpo, a minha alma, as minhas cicatrizes. Porque finalmente consigo olhar para este buraco no meu peito, onde costumava estar algo chamado coração, mas onde agora apenas existe um abismo profundo, escuro, vigiado por larvas e moscas, sedentes por morte, por decomposição. Apesar de já ter desaparecido, consumido pelas larvas do meu pensamento, a alma do meu coração, a Minha Alma, ainda paira neste abismo, nesta sepultura inacabada, e as larvas e as moscas ainda tem fome. Olha bem para este buraco, bem a profundidade do abismo, contempla a ferida que nunca sarou, e depois olha-me nos olhos e observa, e sente a ausência que reside em mim, a saudade que em mim não é mais do que uma memoria, do que uma brisa.
Algures na noite em que adormeci no colo da ternura, a chorar e a soluçar, tive um sonho. Nesse sonho caminhava de noite na praia, apenas mais uma noite, apenas mais uma praia. E nessa praia o mar rebentava com violência, como se algo o atormentasse. E eu sentia-me estranhamente calmo, estranhamente tranquilo. Continuei a caminhar, sentindo a areia e o mar a meus pés, refrescando-me a alma. E de repente, num momento, tudo parou, o mar parou, a noite parou, e eu senti uma presença aproximar-se. E quando me virei vi algo terrível, algo mais maligno do que tudo o que até então havia presenciado: vi-me a mim próprio, escuro, sombrio, sinistro, tétrico. E á medida que ele se aproximava, o meu coração começou a doer. Cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais... Até que eu, sombrio, sinistro, estendi a mão esquerda, lentamente, firmemente, na direcção do meu peito, do meu coração. E com o mesmo silencio com que me tinha aproximado, com a mesma frieza, arranquei o meu próprio coração. Senti os dedos a penetrar na pele, senti as costelas a partir, senti aqueles dedos frios tocar-me no coração. Senti as artérias e as veias a chorar, a dizer adeus, a gemer, despedindo-se daquele que tinha sido o seu Deus ate então. E fiquei imóvel, sem expressão, enquanto me via. E vi-me partir, vi-me desaparecer, na noite, na escuridão. Ali fiquei, deitado, sentindo o sangue escorrer pelo peito, lentamente, mas já não sentia dor. Aí vi a Lua olhar-me com desprezo, e vi a ternura sorrir-me, com um sorriso cínico, e vi-a abandonar-me, mergulhando ela também na noite, na escuridão. E sentido o mar rejeitar-me violentamente, comecei a despertar.
Até que acordei, no meio das árvores, deitado no chão. E ao olhar para o lado vi a ternura sorrir-me cinicamente, tal como eu havia sonhado. E por instinto, olhei para o meu peito. Mas não encontrei nada... Nada... A ternura desapareceu, e tal como no sonho a Lua olhou-me com desprezo. E finalmente aceitei o que há tanto tempo tinha esquecido, o que há tanto tempo tinha escondido de todos vós: a Morte do meu coração...
Por instinto caminhei até aqui, até ti. Não sei onde estou, não sei quem és, apenas desejo que olhes para mim, apenas desejo que vejas este abismo, este berço imundo de podridão. Apenas quero que sintas a ausência que transborda dos meus olhos, a saudade que em mim ficou. Porque agora mostro-te mais do que aquilo que já mostrei, porque agora te mostro mais do que o meu coração, agora mostro-te a sua sepultura. E agora pergunto-te o que não me sai da cabeça, o que não me deixa em paz... Amas-me agora?