segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Voas tão alto

Tu foste simplesmente. Eu estava ali, eu estive ali, a olhar-te, a dar-te o meu olhar que tanta compaixão tinha. E tu foste simplesmente, a minha sombra apenas uma sombra, nada mais. Ficou o mar, ficou o frio e a noite, mas tu não. Nem sei se foi abandono que senti, esse céu onde pensas voar nunca pousou em mim. Não vês como voas alto, não vês como tentei tanto esconder esta loucura?
Como posso eu falar-te de abandono? Será que posso sequer falar? Não, não é por duvidar que mergulho aqui, não é por não saber que lentamente me afogo nesta areia. Este branco cega-me, e de onde estou não vejo quem és. Não vejo quem és pois não sei mais o que ser. E o presente, a ele digo adeus, não viverei mais. Não viverei mais aqui, não mais.
Falta-me a lucidez. Resta-me saber se este espinho te impede de caminhar. Não era essa a vontade que tardava em acordar? Ouve-a agora, a ti veio finalmente o desejo, a nós veio finalmente a certeza. Já sei que este quadro não ouve os teus passos, já sei que o tempo morre eternamente nesta moldura. E de que morte pode alguém cantar palavras? De que orgulho vem a derrota, de que vaidade? Talvez deste peito meu anjo, talvez destas trevas que escolheram a solidão por não saberem amar a lâmina que o absurdo movimenta, tão cegamente, tão surdamente. Grita, grita agora, vais rápido de mais para qualquer caminho. Divaga, a vontade acordou.
Sei que este silêncio veio para ficar. E a solidão, terá ela amor para mais uma pedra? A que mundo posso eu tirar a força do vento? Sonhei apenas ser árvore, sonhei apenas não resistir e ser tão flexível como invisível. Podemos agora saber que nem sonhamos em que caixa se mata uma vida. Mas não posso ainda saber se consigo ficar imóvel sem uma qualquer ausência, ainda que pensada. Submissão, serás tu que darás ao meu fado as asas de um corvo?

sábado, 25 de setembro de 2010

Dor(mimos)


Deita a minha mão na tua. Podes dizer-me que sentes o frio que nas costas desta mão desembarcou. E que se deixou ficar, decidindo nunca mais deixar a minha mão dormir. Deita a minha mão na tua, deita-a e decide dobrar a minha dor em dez. Em dez sonhos que não poderei lembrar.
Como é indescritível esta demência em que me adormeces, como é difícil não estranhar este desengano quando a desilusão me devolveu à dália daquele outro tormento. Dás ao meu dia tanto desespero, minha dor não é mais demónio. Minha dor é apenas desengano, descida tão suave como gentil. E a mim, dedicas também o teu ser? Bem sei que me dei cedo de mais, bem sei que carregar este mundo não deve ser teu desejo. Mas é essa força que me leva as lágrimas, é esse aconchego que denuncia esta fraqueza. Desespero-te, pois saber que o desencontro se anuncia deixa-me sem alma. E eu, sem alma, sou ninguém. E eu, sem alma, sou o mundo. Mas o espelho já não está aqui, e não consigo ser nada nesta hora. O relógio já corre, a memória já não desaparece. Deita a minha mão na tua.
Que asas tão negras que passam agora diante de meus olhos. Que escuridão tão veloz que descende agora aos céus. Estará o mundo dormente, ou estarei eu sem água? Não é sede que me adoece, não é sede que pinta o mundo. Parece-me antes que Deus decidiu morrer, não ouvem o seu dedo aninhar-se no gatilho? Voa para longe, não deve ser esse poder a obrigar-te a ficar. Podes partir, podes desistir. Não deixas vergonha nenhuma connosco. Nem fraqueza. Não será esse salto que nos trará desilusão, os olhos que negamos detêm-se há muito no medo, não sofras por isso. Era nosso dever, e tu não falhaste. Teremos sempre a beleza de uma desilusão que não devia ter nascido tão tarde.
Ficámos nós agora. Sim, nós ainda aqui estamos, não é devaneio algum que escreve estas palavras. Não deitarás a minha mão na tua, certamente não é o frio que queres na pele. Mas deixa-me dizer que pouco me importa o abandono. Pouco me move saber que não posso perder-me em ti. Em sonhos estou só, em sonhos estou sempre só, e se desesperei por desejar o teu aconchego foi por saber que me restam sonhos. Apenas sonhos. Obrigado, descobri contigo a dependência, e não mais. Ao amor deixo apenas palavras de desapego: Tira o teu ódio de mim...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Erro?


E amar o fruto proibido, que melancolia me traz? Se não posso olhar-te, permite pelo menos que te ouça, por favor... Porque ouvir-te será o sonho que na noite me manterá acordado, na escuridão, no eterno.
Diz-me que ouviste a repetição, diz-me isso. Tens a lucidez que te permite a consciência do diamante que nunca de mim brilhou? Não anseio a verdade, esse demónio tão ilusório desistiu de mim há muito. E o orgulho que nesse instante conheceu a noite, a ele renuncio, desejando apenas que me lembres como uma estrela que brilha mais que uma mera criatura. Reside em ti a capacidade de me olhar como humano? Vês como me tornas mundano, mundano nesta tão ilusória ausência de lucidez? Bem sei que não te sonho como mereces minha Deusa, mas se puderes libertar-me prometo amar-te. Mas não como o amor se veste na vulgaridade daquele mundo. Apenas como o amor se veste no requinte dos sonhos de alguém. Alguém que não eu eu certamente, este ego não te merece. Ou conquistará ele a tua solidão?
Não consigo encontrar um trilho nesta maratona que não esteja já usado. E ainda assim, de toda a terra que já digeri, sou obrigado a deitar tudo ao chão. Sim, todo o nada vai embora com este amor, este amor que não é real. Mas aspiras tu à realidade? Há muito que me encontro longe dessa virgem. É com infinita arrogâcina que apenas em sonhos posso pensar que sou assombrado pelo mito da realidade. Tira-me daqui por favor, Não me leves a esse monstro. E agora, esperas que termine este "parágrafo" com algo que te leve onde um deserto sofre? Não minha Musa, para ti não reservo sonhos já corrompidos. Para ti apenas este zero, e acredita que esta oferta tem tudo de mim. Tudo de mim, tudo de mim...